Devia deixar ir o que já por si foi. Largar o que me largou e esquecer. Fechar os olhos e não me lembrar mais. Como se por momentos a memória me obedecesse e eu conseguisse não ter tanto em mim, não ter tanto nesta minha cabeça. Devia, mas por preguiça e fraca força de vontade, não o faço. Devia tanto e em nada dou esse paço a que o dever obriga ou parece obrigar. O coração pesa mais que chumbo, e a cabeça pesa tanto ou mais. Parece absurdo dize-lo quando olho as minhas mãos ou olho em meu redor e nada tenho. Nada tenho que me encha o peito, que me faça tirar o corpo cansado da cama e só porque sim diga que sou ou estou feliz. Os pés andam sem rumo certo, a cabeça perdida está, o coração cheio e as mãos vazias, não vejo o que tenho ou que por contrário deixei de ter. A memória, essa sim, não me falha e ainda o posso dizer de sorriso na cara, mesmo que os olhos se encham de lágrimas. Faço de conta que não é nada comigo. Habituei-me ao segredo da mágoa, ao silêncio da lágrima, à boca cerrada e nada mais, os problemas são meus, são meus estes degredos e ninguém tem que os ouvir ou carregá-los a meias comigo. Serei doente, ou farei de contas que sou de ferro, serei eu o que for para ser alguém assim. Tanta vez abri a boca para dividir as minhas confusões, tanta vez a fechei por sentir incompreensão. Fecho-me, na esperança que alguém ganhe a força que eu perdi e me tente abrir, me tente desvendar e perceber. E nessa espera que alguém chegue, deixo escapar quem realmente chega e pretende ficar, tentar, lutar. E nessa espera esqueço-me do acreditar e do quão bom é alguém receber esse acreditar, esse "eu acredito", essa confiança. Falho e como se fosse bom, falho novamente. Confiança? Como se alguém precisasse. Estúpida, claro que precisam! Toda a gente precisa de confiança, de sentir que tem alguém. Toda a pessoa precisa de um terceiro braço ou de uma terceira perna, de uma mão que agarre na queda, de um olho para dividir a lágrima ou de um sorriso para não a deixar cair. E nessa espera, que é tão longa e às vezes tão curta, não reparo que alguém chegou cheio de si, e cheio para mim. Não reparo que precisa de mim, que não está ali simplesmente para ouvir, que quer ser ouvido também. Confiança? Não está. Falha, e falha, e falho. Eu falho. E não, errar é humano e essas tretas não são desculpa para tudo. Aliás, para nada. Culpo-me, desculpo-me, perco-me e perdi. Perdi bastante. Devia então deixar ir o que perdi, mas não o faço.
Não desse eu ouvidos ao coração.
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