Esqueceu-se de si, olhou e lembrou-se de ti.

Olhou-se ao espelho e tudo o que via eram marcas. Marcas de quem passou, de quem aos poucos olhou e acarinhou como se fosse a última vez que o fizesse. Marcas da idade ou do frio da manhã. Marcas do sono que lhe tiras e das olheiras que lhe dás, de cada mau dormir, e mau acordar. Eram apenas marcas. Olhou novamente. Pensou em fechar os olhos e esquecer. Como se por momentos esquecesse o facto de que é quando os fecha que mais se lembra. Olhou mais uma vez, e as marcas tinham desaparecido. Tudo o que agora via era uma cara vazia e ao mesmo tempo tão cheia. Os olhos carregavam tristeza e os lábios começavam a mexer-se devagar e levemente como se começassem a ficar nervosos. Notou aquela ruga no canto do olho, aquela borbulha a nascer no queixo e o sinal na bochecha. Naquele tempo em que se olhou ao espelho esqueceu-se de quem era. E nem o espelho lhe quis mostrar. Traço a traço foi-se descobrindo sem na verdade descobrir nada. Era como se em cada ruga apenas visse exatamente isso, uma ruga e nada mais. Deixou de dar significado a cada coisa, a cada marca. O espelho mostrava apenas aquela cara marcada, cheia de simplicidade e ao mesmo tempo cheia de confusão, e ela não via nada a não ser o passado que fazia dela o que era naquele momento, naquela manhã. Respirou fundo e olhou-se uma última vez, esboçou um pequeno sorriso mas rapidamente o deixou cair. Os olhos perderam o brilho e cada expressão a lembrava o que ela mais queria esquecer. O sorriso rasgado de alguém, ou o olhar escondido na mão que tanto ia à cara como ia à mão de alguém. Era só um espelho. E ela só uma pessoa. Um espelho como outro qualquer, uma pessoa como outra qualquer. Com marcas e sinais, com rugas, com aquele olhar só dela, com uma imagem que não era uma qualquer. Nem o será. Ela sentia-se única naquele segundo. Percebeu que o era. No entanto, percebendo a sua simplicidade, a sua exclusividade, sentia-se triste. Pois faltava-lhe algo. Aquela mão, aqueles lábios. Não lhe chegava o seu olhar, ou o seu meio sorriso. Queria mais. E quanto mais queria, menos via. O espelho deixou de o ser a partir do momento em que ela deixou de estar ali a olhar-se, e passou a imaginar alguém do seu lado. O significado que ela até então não dava, passou a ser dado em tudo e mais alguma coisa, mas não dado a ela. Perdeu-se novamente. Perdeu o olhar. Perdeu-se de si.
Olhou-se ao espelho, e tudo o que viu foi a sua história passar por ali, esquecendo-se do seu hoje. Esquecendo-se de si.

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