Corpo sem sentido, merda.

Corpo que é teu e meu, que é meu e teu. Corpo que é nosso, que não é. Corpo que temos, que ora agora já nem pretendemos. Corpo que vai, que fica, que se perde na vontade perdida de ficar, mas não finca o pé e se prende aqui. Corpo que pede, que tem, corpo que não é de ninguém, mas afinal é de alguém. Confusão dos diabos este corpo perdido, com pele sem sentido, ruída de desejo sem ninguém para o arrancar, partilhar, sentir. Corpo desgraçado que pede amor, que não tem, que ora agora se lembra e por momentos consegue ter. Corpo enganado, esganado, quer ser mais do que é e não pode, é só corpo. Coitado, finge-se ser, pudesse ele na realidade foder sem ser fodido. Corpo suado, que trabalha de sol a sol, na sua inocência não percebendo que nem ainda o primeiro sol do ano conseguiu apanhar. Anda sem rumo, à deriva, na esperança que alguém o escute, defina como sendo seu, e agarre com as unhas vincadas, marcando as costas desse desgraçado e escrevendo o seu nome como se fosse uma propriedade qualquer, mas sua. Corpo esbatido, sangrento, corpo pintado, esborratado, marcado. Corpo que passou, que passa, que quer passar, por tanto e tão pouco, mas que sente que ainda é pouco o tanto que passou. Não sabe quem é, mas conhece-se, não sabe o que quer, mas carrega vontade e vontade pesada esta. Corpo amado e sofrido, mas que ama mesmo perdido e deixado. Corpo largado, apegado, arrancado de alguém por alguém, mas que diz ser do ninguém. Ninguém que existe, que passa por ele e o faz ser qualquer coisa no monte de coisas que ele se acha ser. Corpo ingenuo, arriscado, sem medo e sem merda nenhuma. Apaixonado, arranquem-lhe amor, prazer, o desejo da noite, de uma noite qualquer. O corpo que é teu e meu, que é meu e teu. Corpo que é nosso, que não é. Que temos, que tivemos, que agora já não sabemos. Chega-se a saber, e sabe-se sem se chegar. Onde, onde, que este corpo não sai do mesmo lugar para não se perder, e engraçado é dizer que perdido anda ele. Queira Deus que este corpo um dia tenha amor para alguém como alguém tenha para ele. Corpo desfeito, na espera que seja feito de novo pelo toque que o desfez. 

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