Pago a conta depois.


Silêncio. Não, não se vai cantar o fado, claro que não! Eu é que preciso de silêncio. Um minuto, uma hora, o tempo que eu quiser, ou que precisar. Mas deem-me silêncio. E com ele vem a falta de qualquer coisa, eu sei. Todas as noites que o silêncio se deita em mim, deita-se a saudade, a falta, deita-se a incerteza do amanhã, o medo, o tanto que vem e que vai na manhã seguinte. Mas continuo a querer silêncio, por agora, quero apenas isso. Uma almofada, uma cama seja ela qual for, e a noite caída por completo, o barulho afogado que vem com a madrugada e deixar-me ficar assim, assim até adormecer ou assim até o amanhecer. Só Deus sabe as coisas que vejo na escuridão das duas ou das três da manhã, as coisas que sinto ou que queria sentir, o que relembro, o que revivo, as lágrimas que engulo ou os sorrisos que solto sem ninguém ver ou ouvir. E não só a noite tem destas coisas, mas apenas o silêncio as traz. A memória que aquece, o corpo que arrepia, o beijo que se cria e o amor que nasce, as borboletas no estômago, o sorriso esbatido e escondido a par da timidez, o braço em pele de galinha, as pernas a tremer, o medo a chegar ou simplesmente nada mais que tudo o que é bom. Silêncio. Tragam-me silêncio, e deixem ficar a conta que eu pago depois.

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