Tentei esquecer-me. Lembrei-me de ti.

Tirei o dia para me esquecer de mim. Esquecer-me de quem sou, ou quem fui. E até mesmo quem ainda quero ser. Esquecer-me das mãos que passaram por mim e me fizeram preparar a pele para cada toque. Esquecer-me do corpo que é meu e do corpo que foi um dia, dos corpos que toquei, e daqueles que tocaram o meu. Deitar fora a memória de quem vejo quando os meus olhos alcançam o espelho. Por um dia esquecer-me do meu nome, e imaginar-me com outro completamente diferente. Chamar-me Maria, sempre gostei do nome Maria, ou de Matilde. Ter um nome que não me lembre quem sou. Hoje tirei o dia para me esquecer de mim, mas não resultou. Assim como tirar dias a fio para me esquecer de tudo o resto também não resultou. O tempo não joga a meu favor, passa rápido de mais para tanto que a minha memória lembra e guarda. Não sou fácil. Nem de lembrar, nem de esquecer. Tenho em mim mais sonhos do que aqueles que já tive durante tantos sonos que já fizeram de mim alguém mais feliz em alguns dias. Personalidade afiada e ao mesmo tempo tão leve e frágil, tenho um feitio de cortar à faca que tão fácil corta, como tão fácil é ele cortado. E queria eu esquecer-me de mim, e por momentos achei que fosse possível. Mas só achei. Tentei, fechei os olhos, pensei em tudo e nada, esvaziei a cabeça, e esqueci-me de esvaziar a alma. E foi o bastante para não me conseguir esquecer de mim. Ou de ti. Podia continuar a tentar, mas sei que perderia forças quando podia ganhá-las a lembrar-me. Afinal, eu não me posso esquecer de mim, e esquecer seria perder-me. E verdade seja dita, já me perdi mais do que devia. Mas não me esqueci. Lembro-me de mim, em cada anoitecer e amanhecer, quando não passo os olhos pela madrugada e me lembro também. E com a lembrança vêm os medos, os receios, os segredos, as merdas que me ocupam a cabeça, a alma, o corpo. As merdas que me esvaziam e me enchem, mas que fazem de mim quem sou. Ou quem fui. Todos os dias são lutas constantes contra os monstros do passado, mesmo que o passado tenha só sido ontem. Lembro-me de mim. De ti. Lembro-me, e basta que saibam isso, que me lembro. E que não esqueço. Nada, nem ninguém. Mas as costas já viram muita coisa, que eu não quis ver mais. 

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