Avançar para o conteúdo principal
Ida sem volta.
Hoje escrevo para ti. Visitei as paredes por onde as tuas mãos passaram, onde o teu corpo teve lugar tantos anos, e até aqueles que pela dor foram passados. Pisei o chão que tantas vezes e tantos dias os teus pés pisaram e passearam. Foi como sentir a tua pele na minha, como se por momentos ouvisse a tua voz carregada de amor, de razão. A idade não perdoa, e os pecados que vêm com ela também não. Eras linda. A pele enrugada marcada pela vida que levaste, e pelas partidas que ela te trouxe. Não esquecendo a última que te levou. Tenho saudades tuas, e impossível era escrever-te sem dizê-lo. Lembro-me de ti todos os dias, como se ainda carregasses vida em ti. A memória sempre nos atraiçoa e confesso que há momentos em que me esqueço que foste embora tão cedo. Podias ficar mais um pouco, mais um dia, mais um mês, mais um ano, podias ficar mais uma vida. Talvez fosses grande de mais para uma vida tão pequena. Grande para ficar, e tão pequena nas mãos de quem te levou. Não posso tentar dizer as coisas que quero por outras palavras, o cancro levou-te, e não há verdade tão mais cruel quanto aquela que as minhas mãos escrevem hoje. Cancro. Conta-se um ano e uns meses desde que te tirou a vida. E independentemente do tempo que já passou, a verdade é que é tempo de mais sem estares aqui. Não houve luta tão grande como essa que viveste. As batalhas que venceste e que tão depressa perdias, como se não coubessem em ti as vitórias sobre ele. Os dias que iam perdendo a cor, a pele e as suas marcas tão diferentes em cada novo dia. Um novo dia que trazia com ele as mesmas mágoas, todos os dias. As mesmas dores, as mesmas fraquezas e as mesmas forças. Era a mesma luta, todos os dias. Uma guerra onde não foste a única a andar de espada na mão e escudo ao peito. Por muito que quisesses abrir portas à solidão, havia quem as fechasse. Constantemente dando-te a mão, fazendo-te esboçar um sorriso ou dois, pintar-te um brilho no teu olhar. Ou devo dizer, no seu olhar. Tão seu que foi tão nosso. Foste uma mulher com M grande. Talvez seja tarde para te escrever, mas nunca será tarde para te relembrar. No entanto, foi cedo de mais para partires.
Hoje escrevo para ti, avó.
Comentários
Enviar um comentário