Não garantido.

Não. A palavra certeira que vai para cada passo dado no mar de incertezas, nas fugas do medo, nos amanheceres da coragem que são tão raros como os passos assim dados. Sem nada a perder, levamos o não tão garantido na mão, agarrado e fechado, tão apertado como o coração que vai à luta. Esquecemo-nos que com a tão destemida frase "sem nada a perder" há sempre qualquer coisa que se perde. Qualquer coisa que vai com esse rebentar de coragem, com essa fuga de ideias e ideais que sem quê nem porquês se solta naquele instante. Arrisca-se o corpo, o que se tem e até mesmo o que não se tem, leva-se a mente à guerra, o amor e tudo o resto, vamos quase despidos. E quase porque vamos sempre com qualquer coisa a proteger, seja esse qualquer coisa a vergonha, seja esse qualquer coisa o receio, seja esse qualquer coisa amor, mas de certeza que uma coisa qualquer o é. Ouvimos o alheio a gritar para ir, para arrancar o pé e arredar o que está no caminho a impedir os nossos passos, caem palavras de desespero se não formos, caem palavras de desespero se formos, é a constante merda da vida que ironia das ironias é sempre tão inconstante. O desespero se não vamos, pois somos burros, pois somos medricas. O desespero se vamos, pois somos falhados, pois não temos dignidade. A mania de ouvir o outro que existe lá fora em vez de ouvir o outro que existe em mim. Mas lá vem a tão destemida frase "sem nada a perder" e tudo o resto não passa disso mesmo, resto. E ninguém quer saber de um resto qualquer que por sorte até sabe falar. Vai um pé de cada vez, às vezes até os dois ao mesmo tempo, mas vai, e é isso que importa não é? O ir, o arrancar a fundo sem qualquer pensamento que nos coloque no saco das dúvidas. É isso, não é? Não. Ou às vezes sim. A única coisa que se precisa saber em cada página que se escreve com o passar do tempo, é que o não vai estar lá sempre, talvez nas entrelinhas, talvez num parágrafo, talvez até seja a única palavra naquela página inteira e apenas se entenda que aquela foi uma página falhada, não resultou de nenhuma forma e feitio, mas ficou guardada. E vai sempre ficar. Não. Um ou dois "não's" ou três, os que forem, vão estar sempre guardados como qualquer coisa que foi nesta vida de merda que vivemos todos os dias. "Pensamento positivo", dizem. E do outro lado está uma lágrima acabada de cair e outra a caminho com a boca cheia de um grande "Vai à merda!". E apetece dizê-lo, mas não se diz. Guarda-se, e fica mais um não ali entalado. Uma coisa qualquer de fúria, de raiva, um tanto ou quanto de uma coisa qualquer que fica ali a remoer e a torcer e acabar com o que já estava acabado: o interior. Acontece. E volta a acontecer quando vamos a fundo de novo, quando vamos quase de cabeça, sem medo em nós, sem nada a prender, a destorcer a coragem, vamos e claro, levamos a palavrona atrás. Não. A palavra que por nossa vontade ou sem vontade nenhuma, vai estar e ficar. É garantido que é assim, tal como ela mesma é garantida.

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