Memórias de alguém.

Era a mão, o toque, era a saudade por entre os dedos, o medo a escorrer na cara, o tremer do corpo. Foi a cara esgotada pelo sorriso forçado, a testa fria ao toque dos lábios. O último toque. Esfriou a alma, quase que por momentos deixou de palpitar aquele que é o órgão mais carregado de coisas sem serem músculos, tecidos e tudo o que envolva células. Ficou a promessa escrita na palma da mão de que a memória jamais se iria perder da imagem de si. Dessa força que todos os dias o alegra, que todos os dias traz de braço dado como se fosse a sua fortuna. E na verdade, não fosse a honestidade o nosso maior poder, a força era a sua maior fortuna. Aquela que por vezes, e que nunca seja essa a sua vontade, se perde, se esconde, brinca com a vida como se já não bastasse a própria brincadeira que a vida nos traz. Secou os olhos com um suspiro profundo, o brilho embora não estivesse ali, despido e inteiro, estava tão grande, tão cheio e tão intensamente vivendo dentro de si, cada segundo, cada momento, cada dia e mês passados ali, na mesma cama, no mesmo quarto, e na mesma casa. Um lugar que mesmo não sendo seu, já o considerava na sua posse, não fosse o tempo que as pernas o passeiam por lá, maior do que o tempo que a sua mente vagueia por fora daquelas quatro paredes.
Misturam-se tempos, vão-se perdendo vontades e com elas os sonhos que sempre se tiveram e mantiveram até então. Boa disposição que se desvanece, passando por ser uma disposição qualquer de alguém que dá passos incertos, na procura de um amanhã que sabe que pode não existir mais. E é triste.
É duro acordar apenas com a certeza de que os problemas vão estar ao nosso lado, quando os olhos se abrirem novamente. Escurecer e sentir um vazio. Amanhecer e o vazio ser preenchido por mágoas que se vão acumulando. Viver de histórias.
Mas - e claro que teria que existir uma mas - melhor é adormecer e acordar, que adormecer e manter-se num sono profundo, num amanhã morto. Melhor é viver, seja de histórias, seja de passados delineados por um corpo que foi e que parece que já não é mais, melhor é viver, e não há sabor melhor que aquele que se tem ao saborear cada pedaço que a vida nos dá.
Conheci-o. Um senhor com a pele frágil, macia que nem pele de bebé, e com as marcas de alguém a quem a força falhou, mas com a garra e vontade de quem tem derrotado cada partida que a vida lhe prega.
Um senhor que levo no coração, fazendo dele memória dos melhores tempos que vivi, e fazendo dele também das melhores pessoas que meus olhos viram, e conheceram. 

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